
Quando a gente pensa em sonho, geralmente associa à ideia de
desejo, de realizar algo no futuro. Andei pensando no quanto o sonho é
cotidiano. Não só porque nos move a tentar concretizar o que queremos, dia após
dia. Sonhar é presente. Ontem, tive uma experiência onírica que se desdobra nesse texto.
Seguinte: uma amiga convidou-me para dar uma aula no curso de
Licenciatura em Música, como estratégia de diversificar os olhares e as
discussões na sua disciplina (História da Arte). Fui “escalada” para apresentar
o conceito de BELEZA, dos gregos à arte moderna. Pouco antes do início da aula,
seguíamos pelos corredores, combinando os últimos detalhes. Por dentro, aquela
expectativa (que hoje eu acho bem gostosinha,) de saber como seria a
receptividade da turma. Tudo indo normalmente, até que entrei na sala (bem
moderna, diga-se de passagem), encontrei poucas pessoas e uma surpresa: um
aluno tocando piano, acompanhado por outro que tocava uma flauta doce. O que para os alunos era apenas mais um ensaio
significou, para mim, uma viagem sensorial. Começando assim, a aula fluiu bem,
como o ritmo da música. Não tinha como falar de beleza, sem discorrer sobre os
sentidos (particularmente visuais) e emoções que a envolvem. A certa altura, eu estava falando sobre as
rupturas da arte moderna, cuja proposta enfatiza não propriamente a beleza, mas
a arte como abstração, como contestação, como liberdade criativa,
reflexão/inflexão sobre o mundo e essencialmente, como subjetividade. A precisão das formas, tão valorizada pela
arte clássica, dava lugar às vanguarda s modernistas. Sinal dos tempos, da
fragmentação, da confusão, do desnorteamento
anterior e pós-guerra. Segundo Freud, “o homem já não era senhor dentro
da sua própria casa”, em alusão aos mistérios quase insondáveis do
inconsciente. O “mapeamento” freudiano da psique humana daria vazão ao
Surrealismo. Imagens distorcidas, cenas mirabolantes, figuras desconexas remetem
ao mundo dos sonhos, onde o nosso inconsciente se revela. Ao conciliar o sono, nada é impossível, nada
é absurdo, nada é infundado. Na verdade, sonhar é um laboratório emocional.
Podemos estar diante de ameaças com as quais nunca iremos nos deparar,
desenvolvendo mecanismos de defesa contra o medo, a dor, a angústia. Sonhando,
é possível descarregar a raiva sobre alguém de quem não gostamos, através de
ações ou palavras violentas, sem precisar fazer isso de verdade. A libido também aflora nos sonhos. Ali,
pode-se beijar, abraçar, tocar e trocar intimidades com quem quer que seja
(conhecidos ou não; famosos ou não; vivos ou não) . Nos meus sonhos, eu posso
me situar em relações nas quais eu não caibo mais e também naquelas em que eu
nunca coube...