quarta-feira, fevereiro 12, 2014

Predador de mim

Passou por mim um adolescente, absolutamente distraído, caminhando como um sonâmbulo, portando um headphone. Parecia não estar no mundo. Porém, não parecia inebriado pelo som da música. Apenas alheio e entediado. Podem dizer que "adolescente é assim mesmo" mas, independentemente da idade, as pessoas estão ausentes do mundo, cada vez mais distantes de viver inteiramente as experiências do momento. Numa situação comum ou extraordinária, há uma preocupação tamanha em registrar, através de uma câmera, que o viver aquele instante torna-se menor e desnecessário. Isso acontece também com turistas que, diante da possibilidade de se deleitar com imagens, cheiros, impressões sobre a cultura e tudo o que é diferente no outro lugar, preferem desesperadamente operar uma máquina, buscando o melhor ângulo, para postar as fotos nas redes sociais. Não é novidade que a tecnologia prende a atenção. Certamente, essa capacidade de ignorar o que está ao redor, acompanhou o advento da televisão, do cinema e demais demiurgos do mass media. No entanto, assistir um filme, e desligar-se do que está fora, pode significar uma catarse, um diálogo com as imagens, com o enredo e uma profusão de sensações, de emoções, de evocações do passado e de expectativas. Diferentemente, disparar flashes em ritmo frenético, produzir selfies (em que nem é preciso interagir com outro para clicar), nada mais é, nesse caso, do que um narcisismo vazio, um alheamento dos sentidos, em busca de prazeres meramente virtuais. A fotografia consolidou-se como instantâneo, um momento "congelado", capaz de fazer reviver o passado. No entanto, pode ser um instantâneo que se dilui imediatamente, uma imagem fugaz do que não foi interiorizado pela memória afetiva.

sábado, julho 13, 2013

Onde há menos beleza...

O título desse post, alude à música de Zeca Baleiro. Como não coloquei aspas, estou anunciando devidamente o crédito criativo. Hoje eu estive lá. Onde eu nunca gosto de ir. Onde as horas passam e o horário de atendimento é quase uma incógnita. Mesmo marcando hora num salão de beleza, nunca é certo de que você será atendido prontamente. Quase nunca isso acontece. Pra matar o tempo, só tem revistas Caras, Contigo etc. e com alguma sorte, alguma que fala sobre saúde. Outro detalhe: é praticamente impossível fazer ou receber uma chamada, estando no salão, porque é impossível ouvir quem está do outro lado da linha, quando há uma profusão de sons de secadores, vozes vibrantes, televisores fazendo um ruído insondável enfim, um arsenal de barulho.  Hoje, chegou um homem, acompanhado do filho. Anunciou que o adolescente iria cortar o cabelo. Acho que era incauto: não marcou hora e resolveu esperar. À medida que o tempo passava, uma impaciência ia se estampando em seu rosto. Quanto ao filho, a indisposição de esperar já se anunciou na chegada. O pai avisou que iria no restaurante e voltaria em meia hora. Achei que era desculpa mas, ele voltou! Recomeçou a espera. Quem iria dar importância a um mísero corte de cabelo, diante de tantas mechas, luzes, hidratações, escovas e afins? Fiquei pensando que, se um salão de beleza é chatíssimo pra uma mulher (exceto pra mais inveterada das peruas), imagine pra um homem. A televisão veiculava um jogo de futebol. Uma quase evidência de que as mulheres não tavam prestando a menor atenção na caixinha de luz e som. Porém, um aficcionado por bola, jamais escutaria a narração do jogo (e suspeito que pra um homem isso é fundamental pra conduzir a emoção, exceto, em se tratando de Galvão Bueno como locutor). Esse seria um motivo de irritação e não de entretenimento durante a longa espera. Num salão não tem revista Quatro Rodas, Playboy, Placar ou congêneres pra aliviar a passagem do tempo. Fui embora e os dois continuaram lá. Fiquei curiosa em saber como são os modernos salões só pra homens. Apesar da elevação geométrica da vaidade masculina na atualidade, imagino que o movimento deve ser menor e portanto, a espera também. Acho que eu me sentiria melhor nesse ambiente masculino. Compreendi por que, antigamente, existiam tantas barbearias. Inclusive pelo fato de que não "pegaria bem" um homem ir ao salão de beleza. Tudo que eu disse aqui pode ser um rosário de clichês sobre um salão e preconceito sobre comportamento de mulheres e homens no entanto, num salão, o que não faltam são clichês... Hoje é dia do rock. Hoje ficou mais fácil entender porque a maioria  dos roqueiros prefere não cortar os cabelos... Já imaginou o que Kurt Cobain faria num salão de beleza? Talvez ele tivesse se matado lá, após quebrar a guitarra em algumas cabeças!

quinta-feira, março 21, 2013

Lirismo anarquista



Eu estava deitada e o sono não veio. Pensei em Machado de Assis, ao dizer que, “quando uma ideia começa a fazer cabriolas no trapézio da mente”, não tem jeito. Os pensamentos rodopiavam e só me restava escrever para relaxar a mente. Ainda estou sob efeito de “Febre do Rato”. O filme é provocante e singelo. Embora seja grandioso na proposta insólita de criar um ambiente intocado pelas convenções sociais. O roteiro escanteia os preconceitos e, digamos assim, recria Pasárgada. A rotina de cada dia é amar, beber, fumar um baseado, deleitar-se com os prazeres mundanos. A munição do poeta Zizo mira a hipocrisia, a desigualdade e a falência do contrato social. A sexualidade escancarada move o universo fictício. Juntos, jovens, velhos, homossexuais, heteros, brancos, negros e tantas outras diferenças se amalgamam no ritmo da poesia. Velhas senhoras revelam encantos de mulher numa caixa d’água. Um quarteto brinca na cama com tomadas inusitadas de câmera, criando novas linguagens visuais. Os personagens são etéreos. Circulam por lugares diferentes do Recife e Olinda, distantes entre si, como se estivessem em locais circunvizinhos. Efeito simbólico Há uma exposição e uma crítica à fragilidade humana: a necessidade de pertencimento. Pertencer a alguém, a algum lugar, a algum grupo, a alguma cidade, a algum desejo, mesmo que isso não signifique estar bem. Ali emerge a interação igualitária. A nudez acompanha o desenrolar da estória sem pudores, sem culpas, sem convencionalismos. Um homem pode ser frágil. Uma mulher pode ser dura. Pessoas podem ser incompletas. Amor pode não ser imposto. Sexo pode ser naturalmente belo. A beleza pode ser abstrata. A vida pode ser leve e insana. O filme é um delírio anarquista. Uma exaltação ao prazer.

sexta-feira, fevereiro 01, 2013

Amor e outras alegrias

"Andei pensando certas coisas. O que é raro, dirão os irônicos. Ou 'o que foi?' - perguntariam os complacentes. Para esses últimos, quem sabe, escrevo. E repito: andei pensando sobre o amor, essa palavra sagrada. O que mais me deteve, do que pensei, era assim: a perda do amor é igual à perda da morte. Só que dói mais. Quando morre alguém que você ama, você se dói inteiro (a) - mas a morte é inevitável e, portanto normal. Quando você perde alguém que você ama, e esse amor - essa pessoa- continua vivo (a), há então uma morte anormal. O NUNCA MAIS de não ter quem se ama, torna-se tão irremediável quanto não ter NUNCA MAIS quem morreu. E dói mais fundo - porque se poderia ter, já que está vivo (a). Mas não se tem, nem se terá, quando o fim do amor é: NEVER."
Caio Fernando Abreu é, sem dúvida, um dos escritores mais interessantes da sua geração. Seus textos têm a força da profundidade. Nas palavras acima, o autor discorre sobre os extremos da paixão. Aquela que torna o outro mais importante do que nós mesmos, na perspectiva do amor romântico. Aquele amor de quem se anula, de quem passa a odiar o "objeto " de amor não correspondido, de quem mata "por amor". O amor eivado de paixão, enquanto afetação, perturbação, descontrole emocional.
Não por coincidência, o amor romântico surgiu no rastro das revoluções burguesas do século XVIII. A concepção de propriedade privada estendeu-se aos relacionamentos. O amor é menos uma questão de ser, do que de ter. Só se consuma na posse do outro, na necessidade de controlar, de prever, de julgar o outro, aquele a quem se ama. Fazendo a mea culpa, eu também já agi assim, já amei assim, já controlei assim...
Não sei se amor é prerrogativa de seres humanos ou se pensar assim é uma grande pretensão nossa. Imagino que um cachorro, que eu crio desde que nasceu, pode me amar, sentir minha falta e se alegrar verdadeiramente pela minha presença. Por isso até se permite dizer que alguns animais parecem pessoas...
Continuo acreditando no amor entre homem e mulher, entre homens ou entre mulheres. Mas acho que amar é a liberdade de estar com o outro no coração, independentemente da distância. Amor é possibilidade de pensar no outro e se encher de alegria pela troca que um dia existiu. A tristezinha da ausência é menor do que isso (ou poderia ser)...
Amor, como tudo na vida, é movimento ou, como dizem os budistas, é impermanência. Zeca Baleiro traduz isso como "nada permanece inalterado até o fim"... O problema é o nosso apego ao que é seguro, ao que permanece, ao que não surpreende com um fim abrupto ou com o final que se anuncia com o desgaste. A gente se limita às surpresas da moda, da tecnologia, das tramas cinematográficas. Na vida afetiva, elas não cabem.
Estou aprendendo a gostar das surpresas da vida. A viver na corda bamba e achar isso divertido. A abdicar das institucionices e rótulos que infligem aos relacionamentos. A conviver bem com a ideia de alguém que está eventualmente junto de mim, em termos de presença física, também está dentro de mim o tempo inteiro, através de sensações boas que me reportam a ele, em algo que escuto, que vejo, que toco ou que sonho. Isso é liberdade de viver e de amar! Sem cobranças, sem julgamentos, sem amarras e sem imposições. Amor pra sempre porque quem ama, não perde...  Nesse sentido, "o amor é mais forte que a morte..."

terça-feira, outubro 16, 2012

A quatro asas


Aos quatro sinos de desatino
Da solidão noturna
Vieste pra diluir meu sono
Despedaçar esfinges
E percorrer meus labirintos.
Quando desencavas minha alegria inteira
Sou nuvem na tua sentença
De alumiar meus olhos
E contorcer meu ventre
Nutrindo-me de magma e saliva.
És contingência
Espectro de presença
Dedilhando por dentro de mim.
Distância contígua
Dançando em aromas
De carne úmida.
De quatro em quatro
Sombras de êxtase
Em animais carnívoros
Que rompem sentidos
E rasgam o silêncio.

domingo, setembro 23, 2012

Trilhando sonhos


Quando a gente pensa em sonho, geralmente associa à ideia de desejo, de realizar algo no futuro. Andei pensando no quanto o sonho é cotidiano. Não só porque nos move a tentar concretizar o que queremos, dia após dia. Sonhar é presente. Ontem, tive uma experiência onírica que se desdobra  nesse texto.  Seguinte: uma amiga convidou-me para dar uma aula no curso de Licenciatura em Música, como estratégia de diversificar os olhares e as discussões na sua disciplina (História da Arte). Fui “escalada” para apresentar o conceito de BELEZA, dos gregos à arte moderna. Pouco antes do início da aula, seguíamos pelos corredores, combinando os últimos detalhes. Por dentro, aquela expectativa (que hoje eu acho bem gostosinha,) de saber como seria a receptividade da turma. Tudo indo normalmente, até que entrei na sala (bem moderna, diga-se de passagem), encontrei poucas pessoas e uma surpresa: um aluno tocando piano, acompanhado por  outro que tocava uma flauta doce.  O que para os alunos era apenas mais um ensaio significou, para mim, uma viagem sensorial. Começando assim, a aula fluiu bem, como o ritmo da música. Não tinha como falar de beleza, sem discorrer sobre os sentidos (particularmente visuais) e emoções que a envolvem.  A certa altura, eu estava falando sobre as rupturas da arte moderna, cuja proposta enfatiza não propriamente a beleza, mas a arte como abstração, como contestação, como liberdade criativa, reflexão/inflexão sobre o mundo e essencialmente, como subjetividade.  A precisão das formas, tão valorizada pela arte clássica, dava lugar às vanguarda s modernistas. Sinal dos tempos, da fragmentação, da confusão, do desnorteamento  anterior e pós-guerra. Segundo Freud, “o homem já não era senhor dentro da sua própria casa”, em alusão aos mistérios quase insondáveis do inconsciente. O “mapeamento” freudiano da psique humana daria vazão ao Surrealismo. Imagens distorcidas, cenas mirabolantes, figuras desconexas remetem ao mundo dos sonhos, onde o nosso inconsciente se revela.  Ao conciliar o sono, nada é impossível, nada é absurdo, nada é infundado. Na verdade, sonhar é um laboratório emocional. Podemos estar diante de ameaças com as quais nunca iremos nos deparar, desenvolvendo mecanismos de defesa contra o medo, a dor, a angústia. Sonhando, é possível descarregar a raiva sobre alguém de quem não gostamos, através de ações ou palavras violentas, sem precisar fazer isso de verdade.  A libido também aflora nos sonhos. Ali, pode-se beijar, abraçar, tocar e trocar intimidades com quem quer que seja (conhecidos ou não; famosos ou não; vivos ou não) . Nos meus sonhos, eu posso me situar em relações nas quais eu não caibo mais e também naquelas em que eu nunca coube...

segunda-feira, junho 04, 2012

Os nomes que significam

Sempre quando começo um ano ou semestre letivo, dou uma olhada no diário de classe. É o primeiro contato com uma nova turma. Observo a quantidade de alunos, se a maioria é masculina ou feminina e quais os nomes que mais chamam atenção. Geralmente há os incomuns...
No começo desse ano, tive uma surpresa. Um nome diferente de todos que eu já tinha visto. Um nome poético. Como os dos irmãos Phoenix (o finado River, Summer, Liberty e Leaf, o codinome de Joaquin, no começo da carreira). Ou os nomes próprios escolhidos pelos tupis, geralmente relacionados a objetos ou eventos específicos (animais, vegetais, minerais, seres mitológicos e ancestrais). Entre algumas tribos, o pajé ou a comunidade escolhem o nome do recém-nascido de acordo com a sua "personalidade mística". Por isso, raramente ocorrem os homônimos (ou xarás, em língua tupi). Exceto quando uma criança recebe o nome de um parente morto, como forma de simbolizar uma reencarnação do mesmo espírito. É muito belo carregar nomes masculinos como Ygapi (orvalho), Taiguara (livre), Turi (farol), Caiçuara (amante); ou femininos como Potyra (flor), Juruena (água na boca), Ybura (fonte), Nuputira (flor do campo). A partir de feitos heróicos, após o ritual de passagem da adolescência para a vida adulta, os indígenas podem incorporar novos nomes ao primeiro. Um elogio à bravura, que é o código de honra deles.
Brisa, esse é o nome da minha nova aluna. Na acepção mais comum da palavra, significa "vento brando à beira-mar". Mas segundo o Michaelis também pode ser "corrente de ar marinho produzida pelo deslocamento atmosférico, em virtude do movimento das águas da pororoca". Sempre ar marinho... No Sertão, não existe essa brisa de que o dicionário fala. Embora usualmente, chamamos brisa aquele vento agradável que nos refresca quando estamos na sombra. Isso é extremamente precioso para o sertanejo. Não tem valor determinado, quantificável... Será que o pai de Brisa pensou nisso quando resolveu batizar a filha? Não posso responder. Seja como for, o nome é bonito e simbólico. Talvez ele espere que um dia o "Sertão vai virar mar"...