sexta-feira, abril 02, 2010

A LENTE DO HUMOR


A Ceça e Sérgio
Certos episódios são, inescapavelmente, um mote para um post. Há alguns dias, estava eu no centro da cidade do Recife, precisamente passando em frente à Igreja do Carmo, quando vi uma cena muito inusitada: um mendigo, desses que tem uma segunda pele de suor e poeira, cabelos compridos e despenteados, pés descalços, matulão nas costas e... uma câmera fotográfica nas mãos. O mais interessante é que ele imitava um profissional: abaixava, mirava o melhor ângulo, clicava e buscava um novo quadrante. Fiquei olhando, curiosa. Ele percebeu e começou a me fotografar... Um sorriso cúmplice, ainda que de longe. Não posso afirmar se a máquina funcionava ou não. Fiquei pensando sobre isso. Gostaria de poder sentar e conversar com uma criatura tão jocosa e que representou para mim uma espécie de crítica social, flagrada ali, aos olhos de quem passava, denunciando as contradições que o capitalismo e a modernidade criam a cada dia. Se ele é lúcido, estava se divertindo com a sua própria condição de mendicante, de flagelado, de marginal... Se ele é doido, devia estar se sentindo como um grande artista, um trabalhador que logo mais iria estar no laboratório, revelando a produção de um dia. Mesmo se a câmera funcionar, estas fotos não existem, não serão reveladas, não serão vistas, não serão mostradas... São tão invisíveis como, várias vezes, aquele homem pareceu aos transeuntes... Realidade cruelmente irônica...