quarta-feira, dezembro 22, 2010

Virando a página...


Desafio grande é ir além do que aparentemente somos. Ir além das miudezas do dia-a-dia, das tristezinhas, das perdas pequenas e grandes. De apego em apego, nós nos largamos no vão da cegueira... Esquecemos do muito que aprendemos com o tanto que foi embora e com o muito que fica... Apego-me agora à "loucura de ser feliz", como diz Ghaoui. Seja lá o quanto desafiadora seja essa empreitada. Que venha 2011, com todas as surpresas que a vida traz...

sexta-feira, setembro 17, 2010

Quando despedaço...


A etimologia das palavras é interessante: despedida e despedaçar têm o mesmo radical. Não é por acaso. A gente só se despede de quem ama. E isso sempre é dolorido. A gente se despe. Depois se veste de fortaleza, só pra disfarçar a ferida. Um dia, ela cura...

sábado, setembro 04, 2010


"Começar de novo e contar comigo
Vai valer a pena ter amanhecido
Ter me rebelado, ter me debatido
Ter me machucado, ter sobrevivido
Ter virado a mesa, ter me conhecido
Ter virado o barco, ter me socorrido."

Não posso recomeçar, a partir do zero. Posso começar de novo, como já me disseram duas pessoas queridas. Trago as dores, as lições, as vivências que tive, os sentimentos que tenho e um esforço de guardar, somente no coração, a pessoa com quem gostaria de compartilhar todos os meus dias. Como a vida deve ser um exercício de desapego, a gente vai se despedindo todo dia: de um projeto, de um desejo, de um futuro, de um passado... Preciso aceitar isso... sempre!

domingo, agosto 29, 2010

"Você entrou no trem/E eu na estação/Vendo um céu fugir/Também não dava mais/Para tentar/Lhe convencer/A não partir..."

Trago no olhos a tristeza de ver um mundo opaco. Sem cor. Em sépia. Sem poesia, sem beleza. Miro as alegrias que não voltam, os dias findos. Não vejo horizontes, não quero vê-los. O luto marejou meus olhos, secou minha boca e minha alegria. Não escuto mais, os sons parecem distantes como se eu estivesse envolta em pedra. Não falo, apenas grito por dentro. O som inaudível do desespero.

sexta-feira, agosto 27, 2010

Estado de espírito


“Que sempre fui triste. Que vejo essa tristeza nas minhas fotografias da infância. Que hoje essa tristeza, sentindo-a como a mesma que sempre senti, quase pode ter o meu nome, tanto ela se parece comigo. Digo que hoje essa tristeza é um bem-estar, o bem-estar de ter afinal caído na infelicidade que minha mãe anuncia há tanto tempo, quando ela uiva no deserto de sua vida.” Marguerite Duras

quinta-feira, agosto 26, 2010

Desejos


Ela queria flores... de plástico (só pra não matar as plantinhas). Queria que, em arroubos de paixão, ele viesse à noite, sem avisar, pra deitarem juntos, na grama, vendo a lua e oferecendo estrelas um ao outro. Eles iriam fechar os olhos e, de corpos unidos, adormecerem, sentindo um lufar de felicidade. Iriam semear futuros, caminhando sempre de mãos dadas, trocando olhares cúmplices...

sábado, agosto 14, 2010

A dama (o filho da dama) e o vagabundo


Ontem: sexta-feira, 13, do mês do cachorro louco. Dia malogrado para os supersticiosos. Dúvidas à parte, tive sorte ontem. Eis o acontecido: fui buscar meu filho na escola, depois, passei na padaria, como de costume e seguimos pra casa, conversando. Ao entrar numa rua, avistei um cachorro na calçada de uma casa. Detalhe: este cachorro sempre está lá, dormindo no pé do portão. Sempre! Mas, desta vez, ele estava acordado. Quando passamos, o portão se abriu e dali surgiu outro cachorro. Eles vieram em nossa direção. João se assustou e eu o coloquei nos braços. Falei calmamente no ouvido dele que eu estava ali e não deixaria que nada de mal acontecesse com ele. Parei e fiquei quieta. Ele ficou calmo. O dono dos cachorros chamou os seus bichos. Voltei pensando na minha reação: não tive medo e mantive a calma. Uma calma estranhíssima. Tenho certeza que eu não deixaria que aqueles cachorros mordessem João. Eles poderiam me esquartejar mas eu encontraria um lugar pra colocar meu filho a salvo. Achei engraçado isso. Nosso instinto de sobrevivência volta-se pra salvaguardar outra pessoa. Não tive medo de morrer espedaçada (com todo o exagero que essa idéia possa ter). Tive medo de não conseguir proteger o meu filho. Felizmente, foi só um susto. Ficamos inteiros e voltamos tranquilos. Outro detalhe: quando eu era criança, fui mordida por um cachorro, depois de tentar colocar umns óculos nele (eu tinha certeza de que, quem era cego, podia milagrosamente enxergar ao usar esse objeto). Tomei vacina antirrábica e sempre quis manter esses bichos à distância. Qualquer cachorrinho me assustava. Esse medo não existe mais.

sexta-feira, agosto 13, 2010

Silêncio


"Estavam naquela fase em que um dá de presente as vontades do outro. A melhor fase, diga-se. Depois vem o tempo em que um ignora as vontades do outro e, no fim, o tempo em que passa a contrariá-las." O Amor e Outros Objetos Pontiagudos (Marçal Aquino)

Ele chegou subitamente. Toc toc na janela. Ela entreabriu e reconheceu a fisionomia. Fechou-a levemente. Escorou-se na parede e pensou se deveria ou não abrir. Decidiu sair correndo pelos fundos da casa. Ele esperou... Quando ela voltou, ele ainda estava lá... Ela resolveu abrir a janela. Conversaram na sacada, sentados, como crianças, observando o movimento da rua... Fizeram juras de amor eterno, tocaram-se em mãos entrelaçadas que, a muito custo, desvencilhavam-se às vezes... Ela sussurava, ele fazia mímicas e truques de mágica...
No outro dia, ele demorou a chegar, mas veio... Ela abriu a porta, convidando-o a entrar. Ele titubeou... Tocaram as mãos um do outro, beijaram-se, mergulharam em si mesmos, como se aquela fosse a última noite da existência...
Abruptamente, ele foi embora. Voltou muito tempo depois, transtornado. Ela abriu a porta, cheia de saudade. Ele não quis entrar. Ela insistiu. Começou a chover. A chuva aumentou. Ele não entrou... Preferiu ir embora de vez, junto com a chuva. Para ele, a chuva era previsível, como ela nunca seria... Ela continuou na janela, esperando que ele voltasse, lembrando daquilo que ele dizia, do seu semblante, do seu sorriso, de suas mãos e de suas mágicas. Um dia, ela fechou a janela, depois a porta e abandonou a casa. Procura ainda hoje por ele, seja onde chove ou onde faz sol...

sábado, agosto 07, 2010

Claro-escuro


Da infância, tenho uma lembrança recorrente: um programa de tv, o Teletema (acho...), cujo tema era, basicamente, as crises e internamentos de uma esquizofrênica. A solidão dentro da clínica psiquiátrica, as limitações da doença, a fragilidade humana, tudo estava ali. ..
Posso dizer que, na época, não entendi muito bem o enredo e hoje, as lembranças são distantes e fragmentadas. O que me chamou atenção, deixando-me angustiada foi o desconforto daquela solidão. Em muitos momentos da minha vida, senti solidão e isso sempre me incomodou. E assustou também.
Em poucos momentos, experimentei uma solidão voluntária e prazerosa. Algumas vezes, fiquei só pra poder sofrer, outras pra lembrar, outras pra chorar, outras pra observar o mundo, outras pra estudar (algo que gosto de fazer sozinha), outras pra arrumar a casa, ouvir música. Mas, particulamente desagradável pra mim era comer sem companhia, seja em casa ou na rua, ir ao cinema, ao shopping... Hoje faço isso com menor reserva...
Tenho tentado "curtir" a solidão e enxergá-la de outra forma. Como algo necessário, às vezes inexorável, passageiro ou aparente. Quero aprender a conversar comigo mesma, dar mergulhos introspectivos e resignar-me ao que não pode ser mudado. Empreitada pretensiosa? Talvez...
Como dizem, nascemos sós e morremos sós.

sábado, julho 31, 2010

A mesa e a estrada


Desde que cheguei em Petrolina, tenho feito diariamente uma viagem sentimental pelo Sertão. Tenho ascendência sertaneja mas esse universo sempre foi distante, só de ouvir falar nos "causos" que os meus pais contam... Primeiro, a comida (divina!)... E ter Petrolina, de um lado, e Juazeiro, do outro, é um deleite só! Aqui descobri uma tal de pititinga, que é uma espécie de piaba, servida frita e levemente empanada, acompanhada de uma pimentinha baiana, caseira e fresquinha... Um petisco de comer rezando, como se diz. Cari com molho de manga e castanha: manjar dos deuses! Aliás, dizem que o cari é um peixe horroroso de se ver mas muito gostoso, como já comprovei (embora ainda não tenha visto o dito cujo). Tem até uma receita de cari com mandacaru que, infelizmente, ainda não provei... Resumo da ópera: engordei uns quatro quilos desde que vim morar na terra das carrancas.
Fiz um rallyzinho dos sertões também: fomos eu e outro professor pra fazer inscrições e entrevistas pro processo seletivo do IFSertão, em distritos de Petrolina e cidades circunvizinhas. Enfrentamos quilômetros de estrada de barro, no meio da caatinga, levantando muita poeira,num cenário de descobertas pra mim. A diversidade do bioma é impressionante! Tive ainda o prazer de ver uma revoada de jandaias, casinhas de taipa, perdidas no meio do nada, bodes, vacas e outros bichos, na tranquilidade de seu habitat. Natureza a perder de vista!
Nessas andanças, conheci a Barragem de Sobradinho e, a despeito da interferência humana, é um assombro de beleza. Conheci também um pequeno povoado, chamado pitorescamente de "Atalho", resumido a uma rua com uma dúzia de casas de cada lado, uma escola, uma bodega, uma borracharia e muita gentileza. Uma das moradoras, sabendo da nossa chegada, ofereceu um almoço dos melhores que eu já comi: feijão de arranca, arroz, saladinha, macarrão e uma galinha caipira (de babar de tão boa que era). Só de lembrar da comida, dá vontade de voltar lá... Além disso, aquela casinha, cuja porta abriu-se com tamanha boa-vontade e aquele tratamento caloroso, a gente raramente encontra...

Queimadinha de radioatividade!


Numa entrevista recente, em série especial de telejornal, sobre os malefícios do álcool, Ângela Ro Rô declarou que não bebe nada mais, exceto água. Mesmo nas tertúlias, só entra esta bebida. Fiquei boquiaberta! Logo ela que era o baluarte do exagero etílico, que tantas vezes deu vexame, por estar embriagada nos shows e em outras ocasiões. Nenhuma recriminação aqui, vale ressaltar. Sempre admirei muito esta figura, pela sua sinceridade, por admitir suas bebedeiras, suas preferências sexuais, e por combater a hipocrisia. Segundo ela, a abstinência é voluntária, não precisou de tratamento algum, só que ela cansou de exagerar na dose, de enfrentar ressacas homéricas (do corpo e da alma) e da amnésia que acompanhava os porres.
Eu já bebi muito ao som de Ângela, gostava (e gosto) das músicas de "fossa". Letras que falam de dor, de frustração amorosa, de desencanto mas que não são um convite pra se matar (por isso não gosto das músicas de Núbia Lafayette), mas pra levantar a cabeça, depois de roer o cotovelo. São músicas de superação: "tô fodida, bebendo, mas eu me recupero, viu?" (da dor e da ressaca). Hoje bebo quase nada porque minha tolerância à bebida despencou. Outro dia, pedi uma caipifruta e, no segundo gole, minha cabeça tava rodando. Cerveja? Se eu passo de três latinhas, tenho uma dor de cabeça da "disgrama" no outro dia... Pois é, bebedeiras são passado. Só nos resta um brinde... com água: "- Viva Ângela Ro Rô!".

sábado, maio 15, 2010

O chamado


Quando João nasceu, figurava, entre as preocupações da mãe que vos fala, o cuidado com o umbigo dele. Desde quando ainda estava na maternidade, a enfermeira recomendou que passasse álcool (acho que de 90 graus) até que o dito cujo caísse. As muitas novidades, que descobri somente quando estava grávida (como a barriga que coça muito quando está esticando ou que mulher prenhe tem muitas cãibras, principalmente quando acorda), continuaram depois do parto... E, dentre elas, a atenção especial ao umbigo do recém-nascido. Atenção não meramente relacionada à higiene mas a questões bem mais abstratas... Bem, a questão-chave era: o que fazer com o cordão umbilical depois que ele caísse? Na verdade, eu nem tinha me feito esta pergunta mas a minha vizinha, que foi uma das primeiras pessoas a se encantar por João, não deixou de fazê-la e, antes que eu respondesse, ela já foi dizendo que eu JA-MA-IS deveria jogá-lo no lixo porque algum rato iria comê-lo e isso traria maus agouros pra vida do meu filhote. Como eu só não duvido da fé, levei em conta seus conselhos: o cordão deveria ser colocado numa porteira de uma fazenda ou em água corrente, de preferência, num rio. A primeira opção era inviável por motiivos óbvios. Então, lá iria eu dar um jeito de jogar o pedacinho umbilical no Capibaribe (não exatemente aquele dos poemas de João Cabral), por ser o mais próximo, embora não o mais limpo. Mas tudo se resolveu mais rápido do que eu pensava. Ao comentar com meu amigo Fernando, sobre o que dissera minha vizinha, ele prontificou-se a dar um ajuda. Como iria dali a alguns dias pro Sertão, a trabalho, perguntou se eu não queria que ele jogasse o cordão umbilical no rio São Francisco... Achei uma ótima idéia! E lá se foi a encomenda pro Velho Chico. Um momento histórico, com foto e tudo, pra ficar pra posteridade. O engraçado disso tudo é que, quatro anos depois, estou morando em Petrolina, cidade banhada pelo ilustre e grandioso rio. Há pouco tempo, fui com João fazer a travessia de barca entre Petrolina e Juazeiro e apresentei o rio pra ele. De São Francisco, ele virou "João Francisco", segundo meu filho insistiu em chamá-lo. Logo depois ele disparou a pergunta: "- Cadê meu umbigo?". Depois disso, fiquei pensando sobre o episódio. Dizem por aqui que, quem bebe a água do rio São Francisco sempre volta. Parece que posso afirmar outra coisa: quem joga cordão umbilical no mesmo rio, chega ao sertão, pelo chamado do rio. Só não sei se volta...

sexta-feira, abril 02, 2010

A LENTE DO HUMOR


A Ceça e Sérgio
Certos episódios são, inescapavelmente, um mote para um post. Há alguns dias, estava eu no centro da cidade do Recife, precisamente passando em frente à Igreja do Carmo, quando vi uma cena muito inusitada: um mendigo, desses que tem uma segunda pele de suor e poeira, cabelos compridos e despenteados, pés descalços, matulão nas costas e... uma câmera fotográfica nas mãos. O mais interessante é que ele imitava um profissional: abaixava, mirava o melhor ângulo, clicava e buscava um novo quadrante. Fiquei olhando, curiosa. Ele percebeu e começou a me fotografar... Um sorriso cúmplice, ainda que de longe. Não posso afirmar se a máquina funcionava ou não. Fiquei pensando sobre isso. Gostaria de poder sentar e conversar com uma criatura tão jocosa e que representou para mim uma espécie de crítica social, flagrada ali, aos olhos de quem passava, denunciando as contradições que o capitalismo e a modernidade criam a cada dia. Se ele é lúcido, estava se divertindo com a sua própria condição de mendicante, de flagelado, de marginal... Se ele é doido, devia estar se sentindo como um grande artista, um trabalhador que logo mais iria estar no laboratório, revelando a produção de um dia. Mesmo se a câmera funcionar, estas fotos não existem, não serão reveladas, não serão vistas, não serão mostradas... São tão invisíveis como, várias vezes, aquele homem pareceu aos transeuntes... Realidade cruelmente irônica...