sábado, julho 13, 2013

Onde há menos beleza...

O título desse post, alude à música de Zeca Baleiro. Como não coloquei aspas, estou anunciando devidamente o crédito criativo. Hoje eu estive lá. Onde eu nunca gosto de ir. Onde as horas passam e o horário de atendimento é quase uma incógnita. Mesmo marcando hora num salão de beleza, nunca é certo de que você será atendido prontamente. Quase nunca isso acontece. Pra matar o tempo, só tem revistas Caras, Contigo etc. e com alguma sorte, alguma que fala sobre saúde. Outro detalhe: é praticamente impossível fazer ou receber uma chamada, estando no salão, porque é impossível ouvir quem está do outro lado da linha, quando há uma profusão de sons de secadores, vozes vibrantes, televisores fazendo um ruído insondável enfim, um arsenal de barulho.  Hoje, chegou um homem, acompanhado do filho. Anunciou que o adolescente iria cortar o cabelo. Acho que era incauto: não marcou hora e resolveu esperar. À medida que o tempo passava, uma impaciência ia se estampando em seu rosto. Quanto ao filho, a indisposição de esperar já se anunciou na chegada. O pai avisou que iria no restaurante e voltaria em meia hora. Achei que era desculpa mas, ele voltou! Recomeçou a espera. Quem iria dar importância a um mísero corte de cabelo, diante de tantas mechas, luzes, hidratações, escovas e afins? Fiquei pensando que, se um salão de beleza é chatíssimo pra uma mulher (exceto pra mais inveterada das peruas), imagine pra um homem. A televisão veiculava um jogo de futebol. Uma quase evidência de que as mulheres não tavam prestando a menor atenção na caixinha de luz e som. Porém, um aficcionado por bola, jamais escutaria a narração do jogo (e suspeito que pra um homem isso é fundamental pra conduzir a emoção, exceto, em se tratando de Galvão Bueno como locutor). Esse seria um motivo de irritação e não de entretenimento durante a longa espera. Num salão não tem revista Quatro Rodas, Playboy, Placar ou congêneres pra aliviar a passagem do tempo. Fui embora e os dois continuaram lá. Fiquei curiosa em saber como são os modernos salões só pra homens. Apesar da elevação geométrica da vaidade masculina na atualidade, imagino que o movimento deve ser menor e portanto, a espera também. Acho que eu me sentiria melhor nesse ambiente masculino. Compreendi por que, antigamente, existiam tantas barbearias. Inclusive pelo fato de que não "pegaria bem" um homem ir ao salão de beleza. Tudo que eu disse aqui pode ser um rosário de clichês sobre um salão e preconceito sobre comportamento de mulheres e homens no entanto, num salão, o que não faltam são clichês... Hoje é dia do rock. Hoje ficou mais fácil entender porque a maioria  dos roqueiros prefere não cortar os cabelos... Já imaginou o que Kurt Cobain faria num salão de beleza? Talvez ele tivesse se matado lá, após quebrar a guitarra em algumas cabeças!

quinta-feira, março 21, 2013

Lirismo anarquista



Eu estava deitada e o sono não veio. Pensei em Machado de Assis, ao dizer que, “quando uma ideia começa a fazer cabriolas no trapézio da mente”, não tem jeito. Os pensamentos rodopiavam e só me restava escrever para relaxar a mente. Ainda estou sob efeito de “Febre do Rato”. O filme é provocante e singelo. Embora seja grandioso na proposta insólita de criar um ambiente intocado pelas convenções sociais. O roteiro escanteia os preconceitos e, digamos assim, recria Pasárgada. A rotina de cada dia é amar, beber, fumar um baseado, deleitar-se com os prazeres mundanos. A munição do poeta Zizo mira a hipocrisia, a desigualdade e a falência do contrato social. A sexualidade escancarada move o universo fictício. Juntos, jovens, velhos, homossexuais, heteros, brancos, negros e tantas outras diferenças se amalgamam no ritmo da poesia. Velhas senhoras revelam encantos de mulher numa caixa d’água. Um quarteto brinca na cama com tomadas inusitadas de câmera, criando novas linguagens visuais. Os personagens são etéreos. Circulam por lugares diferentes do Recife e Olinda, distantes entre si, como se estivessem em locais circunvizinhos. Efeito simbólico Há uma exposição e uma crítica à fragilidade humana: a necessidade de pertencimento. Pertencer a alguém, a algum lugar, a algum grupo, a alguma cidade, a algum desejo, mesmo que isso não signifique estar bem. Ali emerge a interação igualitária. A nudez acompanha o desenrolar da estória sem pudores, sem culpas, sem convencionalismos. Um homem pode ser frágil. Uma mulher pode ser dura. Pessoas podem ser incompletas. Amor pode não ser imposto. Sexo pode ser naturalmente belo. A beleza pode ser abstrata. A vida pode ser leve e insana. O filme é um delírio anarquista. Uma exaltação ao prazer.

sexta-feira, fevereiro 01, 2013

Amor e outras alegrias

"Andei pensando certas coisas. O que é raro, dirão os irônicos. Ou 'o que foi?' - perguntariam os complacentes. Para esses últimos, quem sabe, escrevo. E repito: andei pensando sobre o amor, essa palavra sagrada. O que mais me deteve, do que pensei, era assim: a perda do amor é igual à perda da morte. Só que dói mais. Quando morre alguém que você ama, você se dói inteiro (a) - mas a morte é inevitável e, portanto normal. Quando você perde alguém que você ama, e esse amor - essa pessoa- continua vivo (a), há então uma morte anormal. O NUNCA MAIS de não ter quem se ama, torna-se tão irremediável quanto não ter NUNCA MAIS quem morreu. E dói mais fundo - porque se poderia ter, já que está vivo (a). Mas não se tem, nem se terá, quando o fim do amor é: NEVER."
Caio Fernando Abreu é, sem dúvida, um dos escritores mais interessantes da sua geração. Seus textos têm a força da profundidade. Nas palavras acima, o autor discorre sobre os extremos da paixão. Aquela que torna o outro mais importante do que nós mesmos, na perspectiva do amor romântico. Aquele amor de quem se anula, de quem passa a odiar o "objeto " de amor não correspondido, de quem mata "por amor". O amor eivado de paixão, enquanto afetação, perturbação, descontrole emocional.
Não por coincidência, o amor romântico surgiu no rastro das revoluções burguesas do século XVIII. A concepção de propriedade privada estendeu-se aos relacionamentos. O amor é menos uma questão de ser, do que de ter. Só se consuma na posse do outro, na necessidade de controlar, de prever, de julgar o outro, aquele a quem se ama. Fazendo a mea culpa, eu também já agi assim, já amei assim, já controlei assim...
Não sei se amor é prerrogativa de seres humanos ou se pensar assim é uma grande pretensão nossa. Imagino que um cachorro, que eu crio desde que nasceu, pode me amar, sentir minha falta e se alegrar verdadeiramente pela minha presença. Por isso até se permite dizer que alguns animais parecem pessoas...
Continuo acreditando no amor entre homem e mulher, entre homens ou entre mulheres. Mas acho que amar é a liberdade de estar com o outro no coração, independentemente da distância. Amor é possibilidade de pensar no outro e se encher de alegria pela troca que um dia existiu. A tristezinha da ausência é menor do que isso (ou poderia ser)...
Amor, como tudo na vida, é movimento ou, como dizem os budistas, é impermanência. Zeca Baleiro traduz isso como "nada permanece inalterado até o fim"... O problema é o nosso apego ao que é seguro, ao que permanece, ao que não surpreende com um fim abrupto ou com o final que se anuncia com o desgaste. A gente se limita às surpresas da moda, da tecnologia, das tramas cinematográficas. Na vida afetiva, elas não cabem.
Estou aprendendo a gostar das surpresas da vida. A viver na corda bamba e achar isso divertido. A abdicar das institucionices e rótulos que infligem aos relacionamentos. A conviver bem com a ideia de alguém que está eventualmente junto de mim, em termos de presença física, também está dentro de mim o tempo inteiro, através de sensações boas que me reportam a ele, em algo que escuto, que vejo, que toco ou que sonho. Isso é liberdade de viver e de amar! Sem cobranças, sem julgamentos, sem amarras e sem imposições. Amor pra sempre porque quem ama, não perde...  Nesse sentido, "o amor é mais forte que a morte..."