terça-feira, outubro 16, 2012

A quatro asas


Aos quatro sinos de desatino
Da solidão noturna
Vieste pra diluir meu sono
Despedaçar esfinges
E percorrer meus labirintos.
Quando desencavas minha alegria inteira
Sou nuvem na tua sentença
De alumiar meus olhos
E contorcer meu ventre
Nutrindo-me de magma e saliva.
És contingência
Espectro de presença
Dedilhando por dentro de mim.
Distância contígua
Dançando em aromas
De carne úmida.
De quatro em quatro
Sombras de êxtase
Em animais carnívoros
Que rompem sentidos
E rasgam o silêncio.

domingo, setembro 23, 2012

Trilhando sonhos


Quando a gente pensa em sonho, geralmente associa à ideia de desejo, de realizar algo no futuro. Andei pensando no quanto o sonho é cotidiano. Não só porque nos move a tentar concretizar o que queremos, dia após dia. Sonhar é presente. Ontem, tive uma experiência onírica que se desdobra  nesse texto.  Seguinte: uma amiga convidou-me para dar uma aula no curso de Licenciatura em Música, como estratégia de diversificar os olhares e as discussões na sua disciplina (História da Arte). Fui “escalada” para apresentar o conceito de BELEZA, dos gregos à arte moderna. Pouco antes do início da aula, seguíamos pelos corredores, combinando os últimos detalhes. Por dentro, aquela expectativa (que hoje eu acho bem gostosinha,) de saber como seria a receptividade da turma. Tudo indo normalmente, até que entrei na sala (bem moderna, diga-se de passagem), encontrei poucas pessoas e uma surpresa: um aluno tocando piano, acompanhado por  outro que tocava uma flauta doce.  O que para os alunos era apenas mais um ensaio significou, para mim, uma viagem sensorial. Começando assim, a aula fluiu bem, como o ritmo da música. Não tinha como falar de beleza, sem discorrer sobre os sentidos (particularmente visuais) e emoções que a envolvem.  A certa altura, eu estava falando sobre as rupturas da arte moderna, cuja proposta enfatiza não propriamente a beleza, mas a arte como abstração, como contestação, como liberdade criativa, reflexão/inflexão sobre o mundo e essencialmente, como subjetividade.  A precisão das formas, tão valorizada pela arte clássica, dava lugar às vanguarda s modernistas. Sinal dos tempos, da fragmentação, da confusão, do desnorteamento  anterior e pós-guerra. Segundo Freud, “o homem já não era senhor dentro da sua própria casa”, em alusão aos mistérios quase insondáveis do inconsciente. O “mapeamento” freudiano da psique humana daria vazão ao Surrealismo. Imagens distorcidas, cenas mirabolantes, figuras desconexas remetem ao mundo dos sonhos, onde o nosso inconsciente se revela.  Ao conciliar o sono, nada é impossível, nada é absurdo, nada é infundado. Na verdade, sonhar é um laboratório emocional. Podemos estar diante de ameaças com as quais nunca iremos nos deparar, desenvolvendo mecanismos de defesa contra o medo, a dor, a angústia. Sonhando, é possível descarregar a raiva sobre alguém de quem não gostamos, através de ações ou palavras violentas, sem precisar fazer isso de verdade.  A libido também aflora nos sonhos. Ali, pode-se beijar, abraçar, tocar e trocar intimidades com quem quer que seja (conhecidos ou não; famosos ou não; vivos ou não) . Nos meus sonhos, eu posso me situar em relações nas quais eu não caibo mais e também naquelas em que eu nunca coube...

segunda-feira, junho 04, 2012

Os nomes que significam

Sempre quando começo um ano ou semestre letivo, dou uma olhada no diário de classe. É o primeiro contato com uma nova turma. Observo a quantidade de alunos, se a maioria é masculina ou feminina e quais os nomes que mais chamam atenção. Geralmente há os incomuns...
No começo desse ano, tive uma surpresa. Um nome diferente de todos que eu já tinha visto. Um nome poético. Como os dos irmãos Phoenix (o finado River, Summer, Liberty e Leaf, o codinome de Joaquin, no começo da carreira). Ou os nomes próprios escolhidos pelos tupis, geralmente relacionados a objetos ou eventos específicos (animais, vegetais, minerais, seres mitológicos e ancestrais). Entre algumas tribos, o pajé ou a comunidade escolhem o nome do recém-nascido de acordo com a sua "personalidade mística". Por isso, raramente ocorrem os homônimos (ou xarás, em língua tupi). Exceto quando uma criança recebe o nome de um parente morto, como forma de simbolizar uma reencarnação do mesmo espírito. É muito belo carregar nomes masculinos como Ygapi (orvalho), Taiguara (livre), Turi (farol), Caiçuara (amante); ou femininos como Potyra (flor), Juruena (água na boca), Ybura (fonte), Nuputira (flor do campo). A partir de feitos heróicos, após o ritual de passagem da adolescência para a vida adulta, os indígenas podem incorporar novos nomes ao primeiro. Um elogio à bravura, que é o código de honra deles.
Brisa, esse é o nome da minha nova aluna. Na acepção mais comum da palavra, significa "vento brando à beira-mar". Mas segundo o Michaelis também pode ser "corrente de ar marinho produzida pelo deslocamento atmosférico, em virtude do movimento das águas da pororoca". Sempre ar marinho... No Sertão, não existe essa brisa de que o dicionário fala. Embora usualmente, chamamos brisa aquele vento agradável que nos refresca quando estamos na sombra. Isso é extremamente precioso para o sertanejo. Não tem valor determinado, quantificável... Será que o pai de Brisa pensou nisso quando resolveu batizar a filha? Não posso responder. Seja como for, o nome é bonito e simbólico. Talvez ele espere que um dia o "Sertão vai virar mar"...

segunda-feira, maio 28, 2012

Haicai para o Samurai

"A velha mão segue traçando versos para o esquecimento."
Jorge Luis Borges

quinta-feira, maio 24, 2012

Viagem ao centro de si mesmo (parte 1) ...

Outro dia, numa entrevista, uma atriz dizia que, quando estava estressada, ia fazer uma grande faxina para se acalmar. Isso é relativamente comum. Eu não sou uma exímia dona-de-casa mas me "desligo" dos problemas lavando louça ou roupa... Tem até aquele dito popular de que devemos dar uma trouxa de roupa para quem está preocupado demais com a vida dos outros... Essa "alienação" pelo trabalho, na maioria das vezes, funciona para a gente se libertar do fluxo intenso de pensamentos que perturbam o nosso dia. Perturbam? Muita gente já deve ter tentado ficar sem pensar por, pelo menos, alguns segundos. Não pensar em absolutamente nada e alcançar outro nível de consciência, através do "sentir", ou chegar aquele ponto em que corpo e mente se encontram é o que podemos chamar de meditação, uma prática aparentemente simples que requer muita prática. Segundo Eckhart Tolle, em O Poder do Agora (livro que atualmente está na minha cabeceira), os pensamentos podem "escravizar" as pessoas porque nós não usamos a mente, ela é que nos usa com maior frequência. Não conseguimos, sem uma preparação prévia e longa, controlar nossos pensamentos. Mas somos invariavelmente dominados por pensamentos de angústia, de incerteza, de dor, de raiva, de medo. Quando passamos o dia todo trabalhando e estamos de bem com a vida, em harmonia com o mundo interior, o esforço cansa bem menos. Porém, se a cabeça começa a remoer pensamentos desenfreados, o fim de um dia de trabalho pode ser um sufoco: músculos tensos, dor de cabeça, cansaço físico e mental. O autor supracitado defende a busca da mente "vazia", liberada desse turbilhão de pensamentos, propícia ao insight ou o estopim da criação. É nesse espaço "distendido" que as idéias altamente inovadoras surgem. Pois é, os momentos de relaxamento são bem frutíferos... Basta você se imaginar quão restaurador é estar esticado(a) numa cama de massagem ou escutando uma boa música. Ao nos concentrarmos nos toques das mãos do(a) massagista ou nos sentidos ativados pelos acordes, refreamos nosso fluxo de pensamentos e conseguimos ultrapassar o mundo objetivo.

sábado, janeiro 14, 2012

A liberdade de brincar


Enquanto mãe, eu sei da importância de prover meu filho da companhia materna. Além de alimentos, brinquedos, roupas, ele precisa da minha presença inteira, particularmente no momento de brincar. Uso essa expressão pra mim porque pra uma criança a vida é uma grande brincadeira. Existir é brincar. Comunicação é brincar. Tudo é brincar. Não é à toa que as crianças gostam especialmente das pessoas que brincam com elas. Porém, da minha experiência com meu filho, tenho percebido que quanto mais a capacidade imaginativa de uma criança avança, menos nós (adultos) acompanhamos. Confesso que eu sentia mais prazer em brincar com João quando ele era menorzinho. Quando começou a dar os primeiros passos, os primeiros gritinhos, as primeiras descobertas e trelas (num ato narcisista?). Lendo Walter Benjamin, num texto sobre brinquedos, fiquei pensativa... Segundo ele, ainda no século XIX, as crianças não precisavam propriamente de brinquedos. Um simples pedaço de madeira, uma pedra, uma coisa qualquer proporcionavam brincadeiras divertidíssimas, mediadas imaginação infantil. Hoje em dia, os brinquedos sofisticados, ultracoloridos e tecnológicos podem desenvolver certas habilidades mas limitam, em parte, a imaginação. É algo dado, que não permite uma nova moldagem. O brinquedo vira protagonista e a criança é coadjuvante. Eu lembro de alguns brinquedinhos de sucata que meu pai fazia (antes dessa onda de ambientalismo) e que eu achava o máximo! Era a liberdade de criar brinquedos, inicialmente a partir de um modelo, mas a habilidade de fazer permitia experimentos manuais. É com tristeza que percebemos hoje que o brinquedo é uma mercadoria perversamente atraente, geralmente de baixa qualidade (o que significa que tem vida curta) e preços exorbitantes. E nós adultos, que já fomos crianças, geralmente não conseguimos mais participar de brincadeiras "abstratas" com nossos filhos. Geralmente precisamos da mediação de um brinquedo. Reproduzimos nossos pais, alegando falta de tempo pra brincar, quando na verdade o que falta é paciência, criatividade e imaginação pra entrar no universo infantil. Voltando ao texto de Walter Benjamin, li um trecho que me marcou profundamente:
"Um poeta contemporâneo disse que para cada homem existe uma imagem que faz o mundo inteiro desaparecer; para quantas pessoas essa imagem não surge de uma velha caixa de brinquedos?"

Depois disso, fiquei pensando que o momento de maior liberdade que temos é na infância. Quer sensação melhor do que ganhar a rua correndo de bicicleta, no meio da chuva. É maior do que a liberdade (burguesa) de ter um salário garantido e pagar todas as contas no final do mês. Quem não teve infância não pode ser feliz...

sábado, janeiro 07, 2012

Saga atrapalhada


Segundo meu mapa astral, estou entrando no ano 9. Ano de vazio existencial, de crise de identidade, de busca de sentidos e caminhos. Tou sentindo isso desde o ano passado, antes mesmo de ler essa conjuntura esotérica. Isso não é necessariamente ruim. Ao contrário, estou gostando da experiência porque sei que o resultado tende a ser positivo. Se eu fosse adolescente, provavelmente estaria desorientada mas... a maturidade tem grandes vantagens... Nessa minha viagem interior, o espiritismo passou a não me bastar. Numa das reuniões, o palestrante falou que ser negro é karma e eu discordo disso. O problema é a interpretação da doutrina? Mas aí vem outra questão: a doutrina é uma criação humana (ainda que revelada pela espiritualidade). Resumindo: deu um nó. Resolvi fazer meditação transcendental, esvaziar a mente, encontrar meu "eu" interior. Descobri um centro de Yoga, porém, num local de difícil acesso, diante do trânsito caótico do Recife. Entrei em contato com uma professora renomada que, ao responder meu e-mail, avisou que está viajando pra Índia na próxima quarta-feira e só retorna daqui a um mês e meio (ai, como eu queria ir também...). Finalmente, fui a um templo budista. A reunião aconteceu hoje, a partir das 14 h. Cheguei com um pequeno atraso (para os padrões brasileiros) de vinte minutos, subvertendo um princípio budista fundamental: disciplina. Porta trancada. Fiasco transcendental. E eu ali, de vestidinho leve, suada, pude ler o aviso afixado na porta: É proibido entrar com roupas sem mangas, com decotes ou curtas. E continuando: Antes da reunião, não ingerir bebidas alcoólicas, fumar ou consumir alimentos de origem animal. Detalhe: eu tinha acabado de me refestelar de galinha cabidela no almoço. Moral da estória: a cultura está tão arraigada na gente...

sexta-feira, janeiro 06, 2012

Coca-cola é isso aí...


Essa fotografia é intrigante. Quando a vi, pela primeira vez, fiquei me perguntando se era montagem. Ela parece tão paradoxal... Refletindo sobre essa imagem, percebi que não é tão contraditória quanto parece ao primeiro olhar. Nas fotos da Revolução Cubana, mostrando Che e Fidel desfilando vitoriosamente em Havana, não raro aparece ao fundo uma propaganda da Coca-cola. Era o fim dos tempos americanófilos na ilha e as imagens congelavam esses momentos para a posteridade. Segundo Walter Benjamim, a máquina fotográfica consegue aprisionar a realidade, esquadrinhando-a e modificando-a. Numa fotografia, é possível selecionar partes de um todo, ocultando o resto e criando novas impressões. A máquina faz o que o olhar humano não pode: ver em close, sem a proximidade física; congelar a imagem (enquanto nós vemos em movimento) ou simular um movimento. Enquanto uma pintura é eminentemente subjetiva, a fotografia propõe objetividade, embora seja "lida" a partir da pessoalidade de cada um. Imagens apelam ao olhar e esse sentido deflagra o desejo do consumo. Nos dias quentes, ver alguém saboreando um refrigerante pode dar uma sede irresistível... Aqui, o problema menor é admitir que Che Guevara tomou Coca-cola. Mais difícil é aceitar que ele tenha se tornado um ícone do consumo capitalista, sendo reproduzido aos montes em camisetas e outros souvenirs, pelo mundo inteiro. Esvaziado de sua trajetória histórica, de seu teor revolucionário. Como dizia um professor meu, ninguém vai estampar Fidel Castro numa camisa e colocá-las à venda em lojas de departamentos. Ele continua como mentor e condutor da Revolução, enquanto Che foi "derrotado", morreu defendendo um idealismo e um coletivismo que não existem mais (dimensões que, simbolicamente, a Coca-cola também contribuiu para matar). Hoje a maioria dos adolescentes prefere um tênis Nike, um ipod ou um Mclanche à idéia de salvar o mundo... Triste fim, Che...