sábado, setembro 02, 2006

Nas curvas do tempo

Eis uma cena que parece fazer parte de um comercial de margarina: o pai dá instruções, incentiva a filha, solta a bicicleta... Ela pedala de forma titubeante e vai pegando o prumo, sentindo o vento da liberdade nos cabelos, certa de que o pai ainda segura a bicicleta. Vibrando de felicidade, vira a cabeça pra trás, querendo ousadamente, dizer: "solta!". Grande surpresa perceber que o pai estava lá atrás e ela guiava sozinha. O susto diante da situação e o pequeno deslize de olhar pra trás, renderam-lhe uma queda que, embora feia, não representou o abandono definitivo da bicicleta...
Muitas pedaladas depois, cá estou eu, pensando mais uma vez na questão lançada por Ceça: pra que tantas marchas na bicicleta, se não as usamos todas? Só os homens conseguem, não só usar, mas, identificar as ditas marchas... Afora as elocubrações sobre o tema, lembrei da minha infância e da presença marcante do meu pai nos meus primeiros e agitados anos da minha vida. Sei bem o que é fidelidade canina, quando penso que invariavelmente, todos os dias, ficava no portão esperando meu pai chegar do trabalho. Bastava ele apontar na esquina pra eu iniciar uma desatada carreira, que só terminava num abraço desesperado de saudade, como se eu não o visse há meses... Recordo ainda de uma de suas viagens, em que passou seis meses fora. Foi difícil de agüentar: lancei mão da camisa com que ele dormiu, na última noite antes da viagem, com a qual dormi daquele dia em diante, até o seu retorno, deveras festejado. Freud já explicou essa fixação, essa paixão que a maioria das meninas nutre pelos respectivos pais, uma oportunidade de conhecer e exercitar o afeto, mas, também de sentir o desprazer da separação, quando irrompe a adolescência, fase de rupturas.
Conflitos à parte, meu pai me ensinou bem mais do que andar de bicicleta. Seu exemplo me aproximou dos livros, da curiosidade de descobrir o mundo, um mundo maior do que aquele mundinho em que nascemos, através dos caminhos da percepção e da imaginação.
Hoje, meu pai pouco lembra o jovem formoso da minha infância, no entanto, sei que ele ainda é o mesmo que, em quase todas as noites frias de Garanhuns, ia me cobrir com uma manta de lã e me desejar bons sonhos.

2 comentários:

Anônimo disse...

Voltou, hein mocinha! Meu pai me ensinou a comer peixe com pimenta.não me lembvrava mais dessa conversa de bicivletas mas ainda acho que a melhor de todas é a Ceci, sem marchas, com guidão alto e cestinha na frente tudo rosa. bjs

Anônimo disse...

Simplesmente, lindo!
Sugar, vc mais uma vez arrebentou com as palavras; tô emocionado. Imagina o véio quando vê...
Bjs