sexta-feira, agosto 18, 2006

A culpa não é das formigas

Na minha tenra infância, tinha o hábito um tanto sádico de matar formigas: grandes, médias, pequenas, todas eram alvo dos meus pés e da minha pueril perversidade (Freud já dizia que crianças não são exatamente inocentes). Costumava também fazer experiências inusitadas com os ditos insetos: misturava plantas dos mais variados tipos e dava a beberagem pra algumas formigas confinadas numa caixa de sapatos. Pretendia descobrir a fórmula do crescimento e em algum momento, deparar-me com uma formicidae hymenoptera gigante, dando assim minha contribuição à ciência. Hoje imagino: qual seria a utilidade de uma formiga gigante?
Numa outra fase da infância, alguém resolveu me dizer quão cruel era matar formigas, já que as ditas padeceriam em enorme dor. Bem me lembro que as coitadas pareciam se contorcer e mal conseguiam andar na tentativa infrutífera de fuga. Comecei a partir daí a sentir culpa, pensar que "papai do céu" iria me castigar, em quantas famílias de formigas eu teria prejudicado pela minha ação impensada de pisá-las ou espalmá-las cruelmente. Ontem lendo uma matéria sobre a dor, descobri que as formigas não sentem dor porque seu comportamento é geneticamente programado. As plantas, fartamente utilizadas nas minhas "fórmulas" também não sentem dor porque não têm um comportamento que precise ser modificado. Refleti sobre o quanto meu remorso foi em vão.
Já adulta, algumas atitudes minhas vieram acompanhadas de culpa, remorso, tristeza por terem sido inconseqüentes e ferido sentimentos alheios. Muitas vezes revivi aquelas sensações da infância, relacionadas aos eventuais formicídios. Mas a culpa não foi invenção das formigas. Sentimento cruel que por vezes dilacera, exacerba nossa autocrítica. Importante somente pra definir os limites da nossa ação sobre outrem. Sensação que podemos alimentar excessivamente, trazendo pra nós muita dor. Aquela que não atinge as formigas...

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