segunda-feira, setembro 05, 2011

Terra interna

Aqui jazem as tristezas que eu pari e nascem as algumas alegrias que eu puder contar. Exploro meu território interior, minha natureza, minha ternura e minha barbárie.

Início de noite: há pouco estava vendo um programa sobre realismo mágico-Colômbia-Gabriel Garcia Marquez. Sobre como os latino-americanos, afrontados em sua dignidade pela convivência com regimes ditatoriais, refugiaram-se no mundo que mistura real e imaginário. Uma esquizofrenia disfarçada, em que a “vítima” maneja os ingredientes (palpáveis ou não) com maestria e lucidez. Essa terra é um elogio a quem a ela pertence e todos nós nos reconhecemos nela e como parte dela... Soy loca por ti, América! Fechei os olhos, corri pela rua e voei sobre outras paragens (como o menino do filme BAARIA, a Porta do Vento): Santiago, Cidade do México, Buenos Aires e a Cartagena de Gabo, no meio das botas gigantes que decoram uma praça...

Fim de tarde: como nada é por acaso, estava lendo Borges e transmutei sua intensa inspiração portenha... As palavras sobre as ruas de Buenos Aires podem traduzir o que sinto pelo Recife, de ruas que “já são minhas entranhas. Não as ávidas ruas, incômodas de turba e de agitação, mas as ruas entediadas do bairro, quase invisíveis de tão habituais, enternecidas de penumbra e de ocaso e aquelas mais longínquas privadas de árvores piedosas onde austeras casinhas apenas se aventuram, abrumadas por imortais distâncias, a perder-se na profunda visão do céu e da planura.” Por outro lado, a dor da distância, da sensação fronteiriça de não pertencer mais ao lá e não pertencer ainda ao aqui, incomoda... Depois de borgesear, as palavras vieram por si e escrevi no caderno, para não esquecer, e agora transcrevo: A minha tristeza pariu um pranto leitoso, sanguinolento, que nem a morte consegue estancar. Minha alma é um vaso de pedras e de rosas cadavéricas. Nada sei de mim exceto que sou um mosaico de dores, sem cor e sem sanidade. O passado não me acolhe, o futuro não me toca e o presente não me reconhece...

Gosto das reticências. Não por titubearem. Não as vejo assim. Aludem ao inacabado, ao surpreendente, às muitas possibilidades que as sucedem... Depois das reticências, que venha a alegria de viver, de fazer a mim mesma, com as tintas que eu escolherei, em novo tempo, em novas ruas.

Dias antes, entrevista do Dr. Dráuzio Varela no Roda-Viva: sobre sua experiência de estar à beira da morte e pelos depoimentos de alguns de seus pacientes, o médico conclui que a morte lenta prepara o indivíduo para o fim. Segundo ele, há um desligamento gradativo do moribundo em relação aos apegos, inclusive aos laços familiares. Não é um desamor. É uma conformação diante da iminência da partida. A morte anestesia o doente e as dores sobram para quem fica, até que o tempo aja para aplacá-las. Sábio Doutor Tempo, restaura-nos!

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