quinta-feira, março 21, 2013

Lirismo anarquista



Eu estava deitada e o sono não veio. Pensei em Machado de Assis, ao dizer que, “quando uma ideia começa a fazer cabriolas no trapézio da mente”, não tem jeito. Os pensamentos rodopiavam e só me restava escrever para relaxar a mente. Ainda estou sob efeito de “Febre do Rato”. O filme é provocante e singelo. Embora seja grandioso na proposta insólita de criar um ambiente intocado pelas convenções sociais. O roteiro escanteia os preconceitos e, digamos assim, recria Pasárgada. A rotina de cada dia é amar, beber, fumar um baseado, deleitar-se com os prazeres mundanos. A munição do poeta Zizo mira a hipocrisia, a desigualdade e a falência do contrato social. A sexualidade escancarada move o universo fictício. Juntos, jovens, velhos, homossexuais, heteros, brancos, negros e tantas outras diferenças se amalgamam no ritmo da poesia. Velhas senhoras revelam encantos de mulher numa caixa d’água. Um quarteto brinca na cama com tomadas inusitadas de câmera, criando novas linguagens visuais. Os personagens são etéreos. Circulam por lugares diferentes do Recife e Olinda, distantes entre si, como se estivessem em locais circunvizinhos. Efeito simbólico Há uma exposição e uma crítica à fragilidade humana: a necessidade de pertencimento. Pertencer a alguém, a algum lugar, a algum grupo, a alguma cidade, a algum desejo, mesmo que isso não signifique estar bem. Ali emerge a interação igualitária. A nudez acompanha o desenrolar da estória sem pudores, sem culpas, sem convencionalismos. Um homem pode ser frágil. Uma mulher pode ser dura. Pessoas podem ser incompletas. Amor pode não ser imposto. Sexo pode ser naturalmente belo. A beleza pode ser abstrata. A vida pode ser leve e insana. O filme é um delírio anarquista. Uma exaltação ao prazer.