sábado, janeiro 14, 2012

A liberdade de brincar


Enquanto mãe, eu sei da importância de prover meu filho da companhia materna. Além de alimentos, brinquedos, roupas, ele precisa da minha presença inteira, particularmente no momento de brincar. Uso essa expressão pra mim porque pra uma criança a vida é uma grande brincadeira. Existir é brincar. Comunicação é brincar. Tudo é brincar. Não é à toa que as crianças gostam especialmente das pessoas que brincam com elas. Porém, da minha experiência com meu filho, tenho percebido que quanto mais a capacidade imaginativa de uma criança avança, menos nós (adultos) acompanhamos. Confesso que eu sentia mais prazer em brincar com João quando ele era menorzinho. Quando começou a dar os primeiros passos, os primeiros gritinhos, as primeiras descobertas e trelas (num ato narcisista?). Lendo Walter Benjamin, num texto sobre brinquedos, fiquei pensativa... Segundo ele, ainda no século XIX, as crianças não precisavam propriamente de brinquedos. Um simples pedaço de madeira, uma pedra, uma coisa qualquer proporcionavam brincadeiras divertidíssimas, mediadas imaginação infantil. Hoje em dia, os brinquedos sofisticados, ultracoloridos e tecnológicos podem desenvolver certas habilidades mas limitam, em parte, a imaginação. É algo dado, que não permite uma nova moldagem. O brinquedo vira protagonista e a criança é coadjuvante. Eu lembro de alguns brinquedinhos de sucata que meu pai fazia (antes dessa onda de ambientalismo) e que eu achava o máximo! Era a liberdade de criar brinquedos, inicialmente a partir de um modelo, mas a habilidade de fazer permitia experimentos manuais. É com tristeza que percebemos hoje que o brinquedo é uma mercadoria perversamente atraente, geralmente de baixa qualidade (o que significa que tem vida curta) e preços exorbitantes. E nós adultos, que já fomos crianças, geralmente não conseguimos mais participar de brincadeiras "abstratas" com nossos filhos. Geralmente precisamos da mediação de um brinquedo. Reproduzimos nossos pais, alegando falta de tempo pra brincar, quando na verdade o que falta é paciência, criatividade e imaginação pra entrar no universo infantil. Voltando ao texto de Walter Benjamin, li um trecho que me marcou profundamente:
"Um poeta contemporâneo disse que para cada homem existe uma imagem que faz o mundo inteiro desaparecer; para quantas pessoas essa imagem não surge de uma velha caixa de brinquedos?"

Depois disso, fiquei pensando que o momento de maior liberdade que temos é na infância. Quer sensação melhor do que ganhar a rua correndo de bicicleta, no meio da chuva. É maior do que a liberdade (burguesa) de ter um salário garantido e pagar todas as contas no final do mês. Quem não teve infância não pode ser feliz...

sábado, janeiro 07, 2012

Saga atrapalhada


Segundo meu mapa astral, estou entrando no ano 9. Ano de vazio existencial, de crise de identidade, de busca de sentidos e caminhos. Tou sentindo isso desde o ano passado, antes mesmo de ler essa conjuntura esotérica. Isso não é necessariamente ruim. Ao contrário, estou gostando da experiência porque sei que o resultado tende a ser positivo. Se eu fosse adolescente, provavelmente estaria desorientada mas... a maturidade tem grandes vantagens... Nessa minha viagem interior, o espiritismo passou a não me bastar. Numa das reuniões, o palestrante falou que ser negro é karma e eu discordo disso. O problema é a interpretação da doutrina? Mas aí vem outra questão: a doutrina é uma criação humana (ainda que revelada pela espiritualidade). Resumindo: deu um nó. Resolvi fazer meditação transcendental, esvaziar a mente, encontrar meu "eu" interior. Descobri um centro de Yoga, porém, num local de difícil acesso, diante do trânsito caótico do Recife. Entrei em contato com uma professora renomada que, ao responder meu e-mail, avisou que está viajando pra Índia na próxima quarta-feira e só retorna daqui a um mês e meio (ai, como eu queria ir também...). Finalmente, fui a um templo budista. A reunião aconteceu hoje, a partir das 14 h. Cheguei com um pequeno atraso (para os padrões brasileiros) de vinte minutos, subvertendo um princípio budista fundamental: disciplina. Porta trancada. Fiasco transcendental. E eu ali, de vestidinho leve, suada, pude ler o aviso afixado na porta: É proibido entrar com roupas sem mangas, com decotes ou curtas. E continuando: Antes da reunião, não ingerir bebidas alcoólicas, fumar ou consumir alimentos de origem animal. Detalhe: eu tinha acabado de me refestelar de galinha cabidela no almoço. Moral da estória: a cultura está tão arraigada na gente...

sexta-feira, janeiro 06, 2012

Coca-cola é isso aí...


Essa fotografia é intrigante. Quando a vi, pela primeira vez, fiquei me perguntando se era montagem. Ela parece tão paradoxal... Refletindo sobre essa imagem, percebi que não é tão contraditória quanto parece ao primeiro olhar. Nas fotos da Revolução Cubana, mostrando Che e Fidel desfilando vitoriosamente em Havana, não raro aparece ao fundo uma propaganda da Coca-cola. Era o fim dos tempos americanófilos na ilha e as imagens congelavam esses momentos para a posteridade. Segundo Walter Benjamim, a máquina fotográfica consegue aprisionar a realidade, esquadrinhando-a e modificando-a. Numa fotografia, é possível selecionar partes de um todo, ocultando o resto e criando novas impressões. A máquina faz o que o olhar humano não pode: ver em close, sem a proximidade física; congelar a imagem (enquanto nós vemos em movimento) ou simular um movimento. Enquanto uma pintura é eminentemente subjetiva, a fotografia propõe objetividade, embora seja "lida" a partir da pessoalidade de cada um. Imagens apelam ao olhar e esse sentido deflagra o desejo do consumo. Nos dias quentes, ver alguém saboreando um refrigerante pode dar uma sede irresistível... Aqui, o problema menor é admitir que Che Guevara tomou Coca-cola. Mais difícil é aceitar que ele tenha se tornado um ícone do consumo capitalista, sendo reproduzido aos montes em camisetas e outros souvenirs, pelo mundo inteiro. Esvaziado de sua trajetória histórica, de seu teor revolucionário. Como dizia um professor meu, ninguém vai estampar Fidel Castro numa camisa e colocá-las à venda em lojas de departamentos. Ele continua como mentor e condutor da Revolução, enquanto Che foi "derrotado", morreu defendendo um idealismo e um coletivismo que não existem mais (dimensões que, simbolicamente, a Coca-cola também contribuiu para matar). Hoje a maioria dos adolescentes prefere um tênis Nike, um ipod ou um Mclanche à idéia de salvar o mundo... Triste fim, Che...