quinta-feira, dezembro 15, 2011

O excesso nosso de cada dia...



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Os árabes, exímios vendedores, perceberam que, quando estamos diante de uma mercadoria que nos atrai, nossas pupilas se dilatam, enquanto nosso cérebro é inundado por uma sensação de prazer diante da aquisição iminente. O desejo manifesta-se no corpo, mostrando o quanto é poderoso: o cérebro recebe uma injeção de serotonina. Hoje em dia, nossa capacidade de desejar é estimulada ao extremo. Não há um só dia em que não nos deparamos com um outdoor chamativo, uma propaganda interessante na TV, ou um anúncio vistoso numa revista ou jornal de grande circulação. Há tempos, a propaganda invadiu a nossa vida como um vírus. Não é de estranhar que um shopping, no mês de dezembro, é o que mais se aproxima de um inferno. Uma multidão circulando de um lado pro outro, com olhares ansiosos; um Papai Noel nada inocente, incentivando os desejos infantis; muita cor, muito barulho, muitas luzes e muito comércio. Não me eximo da culpa: sou consumista! Embora evite convictamente ir ao shopping neste período de festas de final de ano. Tenho pensado muito sobre o porquê do meu ímpeto consumidor. Decididamente não sou materialista. Não gosto de acumular coisas; não preciso das últimas novidades da moda, ou das marcas mais badaladas; não como muito, mas confesso que tenho certa dificuldade de resistir a uma comprinha. Outro dia, conversando com um amigo, ele disse uma coisa óbvia que me fez refletir: tudo em excesso indica um problema, seja sexo demais, televisão demais, religião demais, compras demais. A gente tenta compensar uma lacuna (geralmente afetiva) com essas “válvulas de escape”. Há pouco tempo comecei a combater essa prática e estou começando a ter sucesso. Fico mais feliz quando saio de uma loja sem comprar absolutamente nada do que quando vou embora com uma sacola. Quero continuar assim, até que esses objetos não dilatem minhas pupilas (ou, pelo menos, que isso aconteça com pouquíssima freqüência). Ainda falando sobre excessos, ontem eu assisti uma reportagem sobre uma mistura perigosa: álcool e direção. Jovens entornando garrafas de whisky em noitadas e dirigindo logo após. Isso é um indicativo emblemático do individualismo deletério que vivemos hoje. As pessoas ignoram completamente o direito ou mesmo a existência de outrem. Dirigir embriagado significa tornar-se um criminoso (ou um suicida) em potencial, colocando em risco a vida, a integridade física e psicológica de outros condutores e/ou transeuntes, com suas respectivas famílias e amigos. Um ato de “efeito dominó”. Quantas pessoas estão realmente aptas a dirigir um veículo, considerando a responsabilidade necessária para tal? Eu confesso que algumas vezes dirigi depois de ter ingerido um pouco de bebida alcoólica, imaginando respeitar a medida do bom-senso. Mas nesse caso, não existe essa medida. No caso de acontecer um acidente, sempre vai haver a sensação de culpa, a dúvida sobre o quanto aquela cervejinha, vinhozinho ou whiskinho comprometeu os seus reflexos. Sendo assim, opto pela coerência: não fazer aquilo que condeno. Dirigir, só se estiver completamente sóbria. Comprar, só se aquilo for absolutamente necessário. Vou buscar novas formas de injetar ocitocina na minha vida: seja nos abraços, na companhia dos amigos, na meditação, na filosofia Hare Krishna ou...

sexta-feira, dezembro 02, 2011

Cenário artificial



Sobre os significados da palavra ARTIFÍCIO, eis as definições de um dicionário:
ar.ti.fí.cio
sm (lat artificiu) 1 Meios com que se consegue fazer um artefato. Var: artimanha. 2 Produto da arte. 3 Expediente, dispositivo ou disposição hábeis ou engenhosos. 4 Habilidade, sagacidade. 5 Astúcia, ardil, disfarce. 6 Simulação, fingimento. 7 Obra pirotécnica.
Essa palavra veio à minha mente numa situação aparentemente contraditória: apreciando um pôr-de-sol, dos mais belos que já vi, em que água e céu se misturavam, diluindo o horizonte. Era a paisagem perfeita para uma pintura impressionista. Não que eu me atreva a dar uma de Monet, meu talento fica aquém disso. Onde eu estava? No maior lago ARTIFICIAL da América Latina, como uma honrosa placa indicava a Barragem de Sobradinho. Por trás daquela beleza (aparentemente natural), produzida pela engenhosidade humana, esconde-se um panorama sombrio: no rastro da represa, foram inundadas as antigas cidades de Casa Nova, Pilão Arcado, Remanso, Sento Sé e o antigo distrito de Sobradinho (antigamente distrito de Juazeiro/BA). Segundo as estatísticas, 12 mil famílias, ou cerca de 70 mil pessoas, foram realocadas em virtude do alagamento. Mas esses números, friamente dispostos, não dão a dimensão da dor das pessoas. Assistindo ao filme “Os Narradores de Javé”, podemos imaginar essa situação. Mesmo nos “rincões do fim do mundo”, estabelecemos relações afetivas com o espaço em que vivemos, dando significados simbólicos ao que é concreto. A cultura, a identidade e as sociabilidades das antigas cidades ocupam o terreno da memória dos que lá viveram (e que lá não puderam morrer). Memórias que podem se perder no tempo. Ironicamente, a falta de chuvas na região está reduzindo o nível da água represada no lago, fazendo com que as ruínas das cidades alagadas reapareçam. O passado emerge desmentindo a História ARTIFICIAL.