domingo, agosto 29, 2010

"Você entrou no trem/E eu na estação/Vendo um céu fugir/Também não dava mais/Para tentar/Lhe convencer/A não partir..."

Trago no olhos a tristeza de ver um mundo opaco. Sem cor. Em sépia. Sem poesia, sem beleza. Miro as alegrias que não voltam, os dias findos. Não vejo horizontes, não quero vê-los. O luto marejou meus olhos, secou minha boca e minha alegria. Não escuto mais, os sons parecem distantes como se eu estivesse envolta em pedra. Não falo, apenas grito por dentro. O som inaudível do desespero.

sexta-feira, agosto 27, 2010

Estado de espírito


“Que sempre fui triste. Que vejo essa tristeza nas minhas fotografias da infância. Que hoje essa tristeza, sentindo-a como a mesma que sempre senti, quase pode ter o meu nome, tanto ela se parece comigo. Digo que hoje essa tristeza é um bem-estar, o bem-estar de ter afinal caído na infelicidade que minha mãe anuncia há tanto tempo, quando ela uiva no deserto de sua vida.” Marguerite Duras

quinta-feira, agosto 26, 2010

Desejos


Ela queria flores... de plástico (só pra não matar as plantinhas). Queria que, em arroubos de paixão, ele viesse à noite, sem avisar, pra deitarem juntos, na grama, vendo a lua e oferecendo estrelas um ao outro. Eles iriam fechar os olhos e, de corpos unidos, adormecerem, sentindo um lufar de felicidade. Iriam semear futuros, caminhando sempre de mãos dadas, trocando olhares cúmplices...

sábado, agosto 14, 2010

A dama (o filho da dama) e o vagabundo


Ontem: sexta-feira, 13, do mês do cachorro louco. Dia malogrado para os supersticiosos. Dúvidas à parte, tive sorte ontem. Eis o acontecido: fui buscar meu filho na escola, depois, passei na padaria, como de costume e seguimos pra casa, conversando. Ao entrar numa rua, avistei um cachorro na calçada de uma casa. Detalhe: este cachorro sempre está lá, dormindo no pé do portão. Sempre! Mas, desta vez, ele estava acordado. Quando passamos, o portão se abriu e dali surgiu outro cachorro. Eles vieram em nossa direção. João se assustou e eu o coloquei nos braços. Falei calmamente no ouvido dele que eu estava ali e não deixaria que nada de mal acontecesse com ele. Parei e fiquei quieta. Ele ficou calmo. O dono dos cachorros chamou os seus bichos. Voltei pensando na minha reação: não tive medo e mantive a calma. Uma calma estranhíssima. Tenho certeza que eu não deixaria que aqueles cachorros mordessem João. Eles poderiam me esquartejar mas eu encontraria um lugar pra colocar meu filho a salvo. Achei engraçado isso. Nosso instinto de sobrevivência volta-se pra salvaguardar outra pessoa. Não tive medo de morrer espedaçada (com todo o exagero que essa idéia possa ter). Tive medo de não conseguir proteger o meu filho. Felizmente, foi só um susto. Ficamos inteiros e voltamos tranquilos. Outro detalhe: quando eu era criança, fui mordida por um cachorro, depois de tentar colocar umns óculos nele (eu tinha certeza de que, quem era cego, podia milagrosamente enxergar ao usar esse objeto). Tomei vacina antirrábica e sempre quis manter esses bichos à distância. Qualquer cachorrinho me assustava. Esse medo não existe mais.

sexta-feira, agosto 13, 2010

Silêncio


"Estavam naquela fase em que um dá de presente as vontades do outro. A melhor fase, diga-se. Depois vem o tempo em que um ignora as vontades do outro e, no fim, o tempo em que passa a contrariá-las." O Amor e Outros Objetos Pontiagudos (Marçal Aquino)

Ele chegou subitamente. Toc toc na janela. Ela entreabriu e reconheceu a fisionomia. Fechou-a levemente. Escorou-se na parede e pensou se deveria ou não abrir. Decidiu sair correndo pelos fundos da casa. Ele esperou... Quando ela voltou, ele ainda estava lá... Ela resolveu abrir a janela. Conversaram na sacada, sentados, como crianças, observando o movimento da rua... Fizeram juras de amor eterno, tocaram-se em mãos entrelaçadas que, a muito custo, desvencilhavam-se às vezes... Ela sussurava, ele fazia mímicas e truques de mágica...
No outro dia, ele demorou a chegar, mas veio... Ela abriu a porta, convidando-o a entrar. Ele titubeou... Tocaram as mãos um do outro, beijaram-se, mergulharam em si mesmos, como se aquela fosse a última noite da existência...
Abruptamente, ele foi embora. Voltou muito tempo depois, transtornado. Ela abriu a porta, cheia de saudade. Ele não quis entrar. Ela insistiu. Começou a chover. A chuva aumentou. Ele não entrou... Preferiu ir embora de vez, junto com a chuva. Para ele, a chuva era previsível, como ela nunca seria... Ela continuou na janela, esperando que ele voltasse, lembrando daquilo que ele dizia, do seu semblante, do seu sorriso, de suas mãos e de suas mágicas. Um dia, ela fechou a janela, depois a porta e abandonou a casa. Procura ainda hoje por ele, seja onde chove ou onde faz sol...

sábado, agosto 07, 2010

Claro-escuro


Da infância, tenho uma lembrança recorrente: um programa de tv, o Teletema (acho...), cujo tema era, basicamente, as crises e internamentos de uma esquizofrênica. A solidão dentro da clínica psiquiátrica, as limitações da doença, a fragilidade humana, tudo estava ali. ..
Posso dizer que, na época, não entendi muito bem o enredo e hoje, as lembranças são distantes e fragmentadas. O que me chamou atenção, deixando-me angustiada foi o desconforto daquela solidão. Em muitos momentos da minha vida, senti solidão e isso sempre me incomodou. E assustou também.
Em poucos momentos, experimentei uma solidão voluntária e prazerosa. Algumas vezes, fiquei só pra poder sofrer, outras pra lembrar, outras pra chorar, outras pra observar o mundo, outras pra estudar (algo que gosto de fazer sozinha), outras pra arrumar a casa, ouvir música. Mas, particulamente desagradável pra mim era comer sem companhia, seja em casa ou na rua, ir ao cinema, ao shopping... Hoje faço isso com menor reserva...
Tenho tentado "curtir" a solidão e enxergá-la de outra forma. Como algo necessário, às vezes inexorável, passageiro ou aparente. Quero aprender a conversar comigo mesma, dar mergulhos introspectivos e resignar-me ao que não pode ser mudado. Empreitada pretensiosa? Talvez...
Como dizem, nascemos sós e morremos sós.