quarta-feira, setembro 30, 2009

Auroras


Hoje, mais uma vez, revi "A aurora do homem", trecho antológico do clássico de Stanley Kubrick. Gosto tanto desta célebre passagem de "2001: Uma Odisséia no Espaço" que, se fosse cineasta, gostaria de tê-la criado. Isso não é pretensão, é só a audácia de imaginar o prazer que Kubrick sentiu, ao finalizar esta empreitada poética. O ritmo lento que remete à longuíssima duração da chamada Pré-História. O ancestral do homem à mercê da natureza, descobrindo-a muito lentamente para compreender seus sinais. A alegoria do obelisco é infinitamente precisa. Qualquer outro animal não iria reparar naquele objeto desconhecido. E isso nos torna diferentes: a perplexidade diante do novo e a ânsia de conhecê-lo. O olhar humano carrega a subjetividade, um infinito universo interior...

sexta-feira, setembro 25, 2009

Abandono


Brasil, 1914. Missionários salesianos chegam à Amazônia. Arrogam-se o direito de achar obscenos os corpos nus dos índios. Colocam roupas neles, sequestram as almas deles, apropriam-se da mente deles. Lançam sobre eles olhares que poluem, que transformam beleza em lascívia, pureza em pecado. Desde a chegada daqueles de além-mar, estamos à deriva, abandonados à nossa própria sorte. Foi catequese de um lado, escravidão de outro...
Abandonar a carne, tradução do termo latino que deu origem à palavra "carnaval". Depois o significado seria invertido: abandonar-se à carne. Ou comer vorazmente a carne? Mergulhar na carne? Afundar-se na carne? Estar faminto como o carnaval que a todos devora? Devoramos carne, dia após dia: a carne exposta na violência, na sexualidade desenfreada (esvaziada, reduzida, simplificada, empobrecida, dessignificada)...
Abandonamos nós mesmos, abandonamos o outro. Colha o abandono: adote uma flor, um arco-íris, uma criança...